desCONSTRUINDO A imagem de Tiradentes ao longo da História

 

A imagem de Tiradentes ao longo da História Escrito por Rafael Willian Silva

De história bem conhecida, Joaquim José da Silva Xavier, nascido em 1746, na Fazenda do Pombal, hoje município de Ritápolis, Minas Gerais , foi um alferes e dentista mineiro condenado e executado pela Coroa portuguesa em 1792 por crime de lesa-majestade.

Fazenda do Pombal, Ritápolis, MG. Imagem: Erik Pzado 
   Seu crime, liderar um movimento insurgente contra a Coroa Portuguesa. Sua punição: enforcamento, esquartejamento e exposição pública das partes de seu corpo pelas estradas de Minas, para servir de exemplo. Tiradentes é um dos personagens históricos mais retratados do Brasil, sua figura é uma das mais conhecidas no país, mas nem sempre sua figura histórica foi a do herói que conhecemos.

Representações artísticas de Tiradentes, Vários autores.
   Se você der uma pesquisada rápida na internet, muitas vezes vai se deparar com a expressão o “Mito de Tiradentes”. Mas Afinal, o que é mito de Tiradentes? Quando ele surgiu? Qual a intenção da sua criação? Por quais transformações sua imagem passou até chegar à imagem que conhecemos hoje?

   O mito serve para ilustrar simbolicamente uma tradição, regulando uma sociedade, o mito explica determinada cultura através da criação de deuses, semideuses e heróis. Tiradentes é um mito político, ou seja, baseado em um personagem histórico sobre o qual existem documentações que comprovam sua existência, diferente de uma definição de mito clássico.

   Tiradentes morreu como um insurgente, um subversivo. A Coroa Portuguesa não poderia tolerar o ato dos inconfidentes, e Tiradentes acabou servindo de exemplo a população, para que quem atrever-se promover qualquer insurgência contra a Coroa. 

    Após a morte de Tiradentes, somente posteriormente a proclamação da República é que ele viria a ser considerado um mártir e um “herói nacional”. A partir da primeira República surge a necessidade de um herói que se afaste da monarquia. A imagem de Tiradentes desempenha essa função de assumir o posto do mito principal do Império que foi D. Pedro I. Afinal de contas o imperador declarou a independência do Brasil de Portugal. Como a República não foi resultado de um movimento popular carecia de uma imagem de um herói que evocasse os princípios desses novos ideais, e para isso foi resgatado um personagem histórico que se aproximasse das aspirações republicanas. Tiradentes é resgatado do ostracismo para cumprir esse papel.

   Os envolvidos na proclamação da República, não gozavam de muito prestígio com grande parte população, a população mais simples não tinha identificação com as figuras envolvidas na proclamação da República, fora que o movimento recém-nascido tinha que lutar com a empatia que muitos nutriam pela família real, então foi imprescindível que se buscasse na história, algum personagem que pudesse causar a simpatia da população, assim a República se apropria e transforma a imagem de Tiradentes. Entre outros motivos para essa apropriação também pesaram o fato de que ele foi relativamente um nome bastante conhecido no movimento da Inconfidência Mineira, Além de ser uma pessoa que tinha sua origem nas classes mais baixas, algo que o aproximava do povo, e o fato também de ter sido o único culpado e executado, no processo que julgava a Inconfidência Mineira, o que reforçava a imagem de mártir, daquele que se sacrificou em prol da nação.

  A essa imagem de mártir, se soma a uma busca por uma imagem estética que se assemelha as representações de Cristo, provocando assim uma analogia do herói cívico com a figura religiosa de Jesus.

Após a Primeira Republica

   Após a primeira República a imagem de Tiradentes continuou sendo utilizada como símbolo de heroísmo e patriotismo. Seu legado simbólico foi retomado de tempos em tempos, mais especificamente nos momentos de rupturas históricas no decorrer do século XX. Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e até mesmo os militares de 1964, auto-intitulados “os novos inconfidentes”, apropriaram-se do fato histórico em favor de seus interesses políticos. Sob novas roupagens, o mito repetia-se incessantemente.

   A festa cívica do dia de Tiradentes sempre foi palco para discursos políticos, discursos que buscavam fazer uma interligação entre o passado e o presente foram, eram os mais recorrentes, escritos e pronunciados por pessoas com posições políticas diversas, de diferentes segmentos sociais, com objetivos também diversos. Mesmo quando em muitos desses discursos Tiradentes acabou por ficar em segundo plano, sua condição de precursor da Independência e herói nacional jamais foi questionada. Claro, não se poderia esperar outra posição das falas oficiais, no momento da celebração cívica. Em um desses atos cívicos Getúlio Vargas chegou a se comparar a Tiradentes, em uma celebração do dia 21 de abril de 1954 em Ouro Preto como convidado, “Getúlio Vargas apresentou-se quase como um mártir que, como Tiradentes, se sacrificava pelo bem da nação. O presidente não foi sutil nessa comparação e, como uma ironia do destino, parecia antecipar sua entrada próxima no panteão dos mitos políticos brasileiros, no episódio trágico de sua morte, meses depois de ter estado em Ouro Preto”.

   Já no período da Ditadura Militar de 1964 a 1985, a imagem de Tiradentes também foi usada pelos militares,que procuraram fazer uma ligação entre o fato de Tiradentes ser alferes, portanto militar e pelo fato de sua semelhança com Jesus Cristo (pelo menos nas representações), esse último fazendo um elo com grande parte da População pela religiosidade.
“Tiradentes foi para os militares e outros personagens que atuaram no cenário político contemporâneo ao regime militar, um exemplo a ser seguido. Tanto para a esquerda, como é o caso do discurso do ex-deputado Carlos Cotta, quanto para a direita. Acredita-se que não tenha sido só Carlos Cotta a se posicionar de modo diferente frente aos acontecimentos políticos aproveitando a oportunidade do discurso público em homenagem à Tiradentes, mas dado ao fato de que a censura entrava em ação e o medo da repressão coibia a maioria dos insatisfeitos com o regime de se manifestar.”
  Logo após o fim da ditadura, no período de redemocratização aconteceu um dos episódios mais marcantes relacionados ao mito de Tiradentes: vejamos, talvez, o caso mais interessante no passado recente de uso da sua imagem. A história sobre a morte de Tancredo Neves em 1985 é permeada por dúvidas e polêmicas. Porém, o que interessa aqui, é a data da morte do político mineiro que, coincidentemente, seria a mesma do enforcamento de Tiradentes. “Especula-se que Tancredo havia morrido um dia antes, mas que desejavam que sua morte viesse a simbolizar o nascimento de um novo herói para a nação”.

   Mesmo hoje em dia, ainda sobrevive o mito do mártir, do sacrificado. Tiradentes acaba por se tornar um herói republicano, por desejar a liberdade e representar o alto grau do civismo. Sua personalidade transforma-se quase em divina. Representações da história de Tiradentes continuam surgindo seja como filmes, livros e outras mídias que ainda despertam a curiosidade das pessoas a respeito do mártir da Inconfidência.

Atores que interpretaram Tiradentes em Filmes e Séries

1 - Claudio Cavalcanti (Tiradentes Nosso Herói - Especial rede Globo -1984)

2 - Tiago Lacerda (Liberdade, Liberdade - Série Rede Globo - 2016)

3 - José Wilker (Os Inconfidentes - 1972)

4 - Adriano Reys (Tiradentes, O Mártir da Independência - 1976)

5 -Humberto Martins (Tiradentes -1999)

Referências:

A Construção do mito de Tiradentes: de mártir republicano a herói cívico na atualidade CARLOS ROBERTO BALLAROTTI

A Inconfidência Mineira e Tiradentes vistos pela Imprensa: a vitalização dos mitos (1930-1960) THAIS NÍVIA DE LIMA E FONSECA

A CONVENIÊNCIA DE UM LEGADO ADEQUÁVEL: Representações de Tiradentes e da Inconfidência Mineira Durante a Ditadura Militar.

ALINE FONSECA CARVALHO

Para Saber mais:

http://portaldainconfidencia.iof.mg.gov.br/index

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/em_busca_de_uma_tradicao_inventada_imprimir.html

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/um_tiradentes_sem_barba.html

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/a_memoria_de_21_de_abril.html

Por Rafael Willian Silva, Universidade Federal de Ouro

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