desCONSTRUINDO Tiradentes na escola

Foto retirada do site:http://www.atividadeseducacaoinfantil.com.br/datas-comemorativas/tiradentes-21-abril/

Aprendendo sobre Tiradentes na escola Escrito por Iasmin Gomes

Faz hoje cento e quarenta anos que a cidade presenciou emocionada a execução de Tiradentes. Era o epílogo do glorioso sonho dos inconfidentes mineiros de 1789. Supliciado o valoroso soldado, dispersos pelos degredos da África os demais conjurados, julgava o governo de Lisboa estar aniquilando no Brasil o anseio de liberdade. Puro engano.”
Tiradentes”. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 21 de abril de 1932, p. 11.


“Comemora-se a 21 de abril a passagem do aniversário da morte de Joaquim José da Silva Xavier — o Tiradentes — bravo mineiro que, em 1792 resgatou com a vida o crime de conspirar contra o domínio português no Brasil, tornando-se o grande precursor de nossa independência política.”
MAURICIO, Augusto. A Inconfidência Mineira. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 18 de abril de 1937, p. 15.

   Provavelmente você já se deparou com discursos semelhantes aos acima seja em livros didáticos, em falas de seu professor(a) ou nos meios de comunicação. A imagem de Tiradentes está associada á monumentos, nomes de ruas e instituições, museus e datas históricas que nos permitem coloca-ló como grande personagem da história brasileira. Suponha que alguém te pergunte o quê você pensa ao ouvir a palavra “Tiradentes”. Pensou em Inconfidência Mineira, acertei? Comigo sempre foi assim. Desde quando ingressei na educação básica estudei mais a figura de Tiradentes do que o movimento da Inconfidência Mineira em si, os livros didáticos trabalhados por meus professores quase não mencionavam outros conjurados e tratavam desse período da história mineira de forma superficial e pouco crítica. Era como se a Inconfidência nunca tivesse existido sem a presença desse sujeito. Foi assim contigo também? Fiz perguntas sobre o assunto a um aluno que cursa o ensino médio, confere o que ele me respondeu:

1. Você acha que Tiradentes foi a principal personagem da Inconfidência Mineira?

   Pelo o quê eu aprendi sim. Ano passado eu estudei sobre os inconfidentes, mas o principal era sempre Tiradentes.

2. Como Tiradentes foi retratado nos seus livros didáticos? E a Inconfidência?

   Sempre como herói, o modo como ele é retratado nos livros faz com que ele seja um dos maiores líderes de uma reviravolta no Brasil. A primeira parte do livro explica a Inconfidência em si e a outra foca muitos nos inconfidentes. Não aprendi sobre a Inconfidência Mineira, mas quando o assunto é esse lembro do Tiradentes.

   Se essas perguntas fossem feitas para você suas respostas seriam semelhantes às desse aluno? Será que a história que estudamos na escola é única e universal? Será que os acontecimentos se deram igual nossos professores e livros didáticos nos ensinam? Você acha que só pode existir uma narrativa sobre determinado assunto? Complexo pensar essas questões!!!

A Inconfidência Mineira e sua diversidade de vozes

   Vou bater um papo sobre a Inconfidência Mineira contigo porque tenho a sensação de que a gente nunca aprende esse assunto na escola sem a imagem de Tiradentes associada. Vamos nos propor a ver os fatos históricos sem idealizar esse personagem? Que tal refletir um pouco sobre a pluralidade de indivíduos, culturas e ideais que habitavam a capitania no século XVIII para pensar as causas da conjuração? Vamos???

   Tendo início em 1789 na capitania de Minas Gerais, a Inconfidência Mineira foi influenciada por diversas questões políticas, econômicas, sociais e literárias. A situação financeira dos moradores da colônia se agravava com os impostos cobrados pela Coroa e pela crise da produção aurífera, fazendo com que a população buscasse seu sustento em outras atividades. É importante ressaltar que a maioria dos inconfidentes foram influenciados por obras literárias que retratavam a Independência Norte-Americana e a América Inglesa. As ideias têm um importante papel nas revoluções e nas revoltas, elas inspiram os indivíduos e lhes dão motivos para lutar por um ideal, contribuindo para a construção de um imaginário de engrandecimento de um fato histórico ou personagem. A Revolução Francesa, por exemplo, é descrita de forma gloriosa por livros didáticos e filmes, isso é feito com diversos acontecimentos históricos.

   Minas Gerais (a colônia) foi concebida pelos inconfidentes como um ambiente de riquezas e autossuficiência econômica e, ao mesmo tempo, miséria em decorrência da exploração da metrópole (Portugal). Isso faz com que as pessoas se revoltem. Durante esse período jornais e panfletos que acusavam as ações tirânicas da Coroa eram circulados, gerando conflitos, repressões e exaltação dos ânimos da população. Todo esse contexto engloba intelectuais, figuras públicas, donos de terras, trabalhadores, políticos, juízes, boêmios, escravos, crianças, mulheres ... bem diversificado o cenário das minas no século XVIII, não é? Assim, não tem como existir só uma narrativa sobre esse assunto, concorda comigo? E se escutássemos testemunhos de sujeitos que viveram durante esse período histórico? Será que a fala de um intelectual seria igual a do Rei ou de um dono de terras? Para essas pessoas a imagem de Tiradentes teria diversos significados, assim como teve durante toda a escrita da história sobre a Inconfidência. Não seria legal estudar vários deles e não se prender tanto na de “herói nacional”? Não seria interessante também estudar outros conjurados? Nesse blog vocês vão encontrar algumas referências que lhe permitem pensar um pouco nessas questões.

Livro didático “Nova História Integrada”


O livro “Nova História Integrada” (imagem ao lado) de João Paulo Mesquita Hidalgo Ferreira e Luiz Estevam de Oliveira Fernandes aborda a temática sobre a heroicidade atribuída a Tiradentes, a partir do texto de José Murilo de A.: “A formação das almas: o imaginário da República no Brasil” que busca mostrar como o mito foi construído ao redor da imagem do personagem. O autor conta que após a Proclamação da República a figura de Tiradentes surgiu com um significado de herói nacional e porque ele foi escolhido para tal papel no lugar de líderes da Farroupilha, por exemplo. A narrativa rompe, de certa forma, com as que encontrei em meus livros didáticos quando aluna dos ensinos fundamental e médio. Ela afirma que o personagem em questão foi concebido como símbolo da República questionando como esse imaginário foi construído, sem desprezar os fatos históricos e enaltecer figuras. Ao longo da história, Tiradentes foi comparado á figuras históricas como D. Pedro I e Frei Caneca, líder da Confederação do Equador, tendo o último participado de conflitos que envolveram batalhas e sangue. 

  Qual o segredo do êxito de Tiradentes? Seria ele o protagonista da Inconfidência Mineira? A conjuração não envolveu disputas físicas, não houve sangue derramado como vários movimentos da história brasileira. O personagem foi o único dos inconfidentes castigado com a morte. Seria a morte a responsável por forjar a ideia de um herói morto em prol de oprimidos, assim como Jesus Cristo? O livro didático em questão traz imagens que realizam essa aproximação e que são analisadas em um dos tópicos do blog Clique aqui para dar uma conferida.

   Podemos notar que os diversos significados atribuídos á Tiradentes são aceitos em contextos históricos diferentes, gerando inquietações e interligando passado e presente. A visão negativa da colonização portuguesa, a culpada pelos dramas passados pelos inconfidentes e consequentemente, pela morte de Tiradentes juntamente com ideias de patriotismo e nacionalismo contribuíram para a ampliação desses significados, o que repercute nos livros didáticos e na forma como a história é ensinada para você na sala de aula. Tal fato não consiste em um erro do seu professor, da escola que você estuda ou dos autores de livros didáticos, retratar Tiradentes como herói é uma coisa que a sociedade em que você vive faz, o feriado de 21 de abril te faz pensar dessa forma, o que provavelmente também acontece com as pessoas ao seu redor. O passado da Inconfidência Mineira influencia, mesmo que de forma indireta, no seu cotidiano. A história está mais perto de nós do que imaginamos, você não se encontra tão distante dos feitos históricos que estuda. É legal estudar história quando ela está próxima da gente, não é? Tá vendo? História não é uma coisa chata que se resume em memorizar datas, aposto que seu livro didático está cheio de imagens legais, vai lá conferir. Se não tiver ou se não estiver com seu livro por perto procura na internet, tem muita imagem interessante também haha! 

Até mais. 

Iasmin do Prado (Estudante do quinto período de História)

Referências:

 VILLALTA, LUIZ Carlos. Usos do Livro no Mundo Luso Brasileiro sob as Luzes: reformas, censura e contestações. Belo Horizonte: Fino Traço, 2015, p.459-500.

FONSECA, LIMA Thaís. A Inconfidência Mineira e Tiradentes vistos pela Imprensa: a vitalização dos mitos (1930-1960). Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 44, 2002, p. 439-462.

FERREIRA, PAULO João. FERNANDES, ESTEVAM Luiz. Nova História Integrada, Ensino Médio: volume único, Campinas, 2009, p.366-367.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

desCONSTRUINDO a obra “Tiradentes esquartejado 1893” de Pedro Américo

desCONSTRUINDO A imagem de Tiradentes ao longo da História

desCONSTRUINDO Tiradentes Desmistificando o Mito